Um estudo da Think Olga analisa o bem-estar mental das mulheres no Brasil e ressalta: aquelas em situação de maior vulnerabilidade financeira estão sujeitas a uma sobrecarga ainda maior. Ansiedade e depressão são prevalentes entre milhões.
De acordo com um relatório da Think Olga, uma ONG que fundamenta políticas de equidade de gênero por meio de suas pesquisas, as mulheres foram duramente afetadas pela crise social e econômica, agravada pela pandemia de coronavírus. O relatório intitulado “Esgotadas: o empobrecimento, a sobrecarga de cuidado e o sofrimento psíquico das mulheres” apresenta uma série de dados sobre essas questões, revelando que quase 60% das mulheres sentem que sua saúde mental não está bem.
Nana Lima, psicanalista associada à Think Olga, explicou ao Outra Saúde: “O dado de que 45% das mulheres são diagnosticadas com ansiedade ou depressão nos chocou. Estamos falando de quase metade das mulheres brasileiras. Vários fatores contribuem para essa condição. Ao analisarmos esses dados, percebemos que a situação financeira é o principal elemento que mais afeta a saúde mental das mulheres.”
Nana enfatiza que esses problemas não são apenas questões individuais. É cada vez mais evidente que tratar da saúde mental sem considerar as condições objetivas da vida material é inadequado. O psiquiatra Paulo Amarante, em análises publicadas no Outra Saúde, alertou sobre a inadequação de abordar frustrações relacionadas à falta de reconhecimento, dinheiro, emprego, participação política e acesso à cidadania apenas como questões psicológicas.
“É crucial compreender que o indivíduo não tem o poder de mudar questões estruturais e sistêmicas. Portanto, é essencial que o setor público não apenas reconheça a importância do cuidado com a saúde mental, mas também assuma a responsabilidade de prevenir esses problemas, em vez de apenas remediar. É fundamental desenvolver e implementar políticas que reduzam as desigualdades de gênero e raça na distribuição de renda, no acesso ao trabalho digno e na luta contra disparidades salariais. Esses dados no Brasil são alarmantes, e é papel do setor público e da gestão de saúde trabalhar nisso, principalmente na prevenção”, afirma Nana Lima.
Nesse sentido, uma política de cuidados é crucial para começar a promover mudanças na base da sociedade, transformações que levam anos para se concretizarem. Diante do cenário de instabilidades nacionais e globais, um governo com visão progressista não pode perder a oportunidade de acelerar essa agenda.
“A desigualdade é acentuada e possui diferenciações relacionadas à raça e classe social nas tarefas do dia a dia, como preparar alimentos, limpar, organizar a casa e cuidar diretamente de pessoas dependentes, como crianças ou idosos”, ressalta a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, durante o lançamento do Grupo de Trabalho encarregado de elaborar a Política Nacional de Cuidados, em maio.
“Nós temos 11 milhões de mães solteiras no Brasil, sendo a única fonte de renda em suas casas. No entanto, essa renda é insuficiente. As mulheres precisam conciliar o trabalho em casa com o trabalho fora dela, para obter essa renda que já não é suficiente”, acrescenta Nana. “Esses fatores se acumulam. Além disso, há a constante ameaça e violência de gênero, outro fator agravante. Existe também a pressão estética, principalmente entre as mulheres mais jovens, outro aspecto observado por elas. É um acúmulo de muitas questões, mas o que mais destacamos é a situação financeira combinada com a sobrecarga de trabalho das mulheres em casa, cuidando dos filhos e da família, das tarefas domésticas, sem poder deixar de trabalhar fora de casa para garantir essa renda.”
Não é surpreendente que a Política Nacional de Cuidados esteja focada em discutir a divisão do trabalho no país, contando com a participação de membros de movimentos sociais e populares que frequentemente se opõem às dinâmicas sociais impostas pelo capitalismo. Conforme o relatório “Esgotadas”, as mulheres dedicam o dobro de horas semanais ao trabalho doméstico em comparação aos homens: são 22 horas por semana, em contraste com as 11 horas dos homens.
“É necessário expandir os serviços de cuidados em saúde mental no Sistema Único de Saúde (SUS) e nas redes nacionais de assistência social, implementar a política nacional de cuidados e fazer com que ela saia do papel, pois a urgência é evidente. Deve-se fortalecer as políticas de transferência de renda voltadas para as mulheres, pois percebemos que apenas cuidar, tratar e medicar as mulheres não resolve, quando sabemos que os fatores que pioram a saúde mental estão também ligados à situação financeira”, conclui Nana.